sábado, agosto 27, 2005

Clonagem: um moderno drama ético em "A Ilha"


Boa noite caros bloguistas.

Ora: "A Ilha", de Michael Bay,começa muito (mas muito) bem. Os cenários futurísticos que compõem este mundo ainda desconhecido para nós, o estilo de vida que as personagens levam (todos acordam com saudações e agenda personalizadas, todos trajam roupa branca, sempre meticulosamente lavada, engomada e arrumada na gaveta pessoal, todos têm a sua dieta específica, as suas tarefas a desempenhar, o seu bem estar a manter). No fundo, a única "obrigação" dos habitantes deste mundo é manterem-se saudáveis e felizes, e a sua única esperança é irem para "a ilha", um lugar idílico, único no mundo a permanecer paradisíaco (e habitável) depois da "contaminação" que quase extinguiu a raça humana. Os poucos sobreviventes que escaparam, foram recolhidos e transportados para o tal "mundo" que vai sendo apresentado. Todas as semanas há uma lotaria, em que, ao acaso, é seleccionada uma das personagens, e o prémio é, nada mais nada menos do que a possibilidade de repovoarem o mundo pós-contaminação, começando na ilha...

Ewan Mcgregor é Lincoln-6-Eco, um destes espectadores atentos, sempre na esperança de ser vencedor da lotaria... Mas ele é-nos apresentado como uma personagem diferente das outras, que parece não aceitar passivamente aquela vida aparentemente tão perfeita. Os seus arrepiantes sonhos conduzem a sua mente para duas questões que desde os primórdios acompanharam o Homem: quem somos e por que estamos aqui? Então ele investiga, ele ultrapassa barreiras, quebra regras, e vê o que não era suposto... Começou por encontrar um besouro vindo do exterior (teoricamente contaminado por gases mortais) e quando teve acesso "ilegal" à ala hospitalar, vendo uma conhecida sua dar à luz e ser assassinada em seguida, começou a perguntar-se o que estaria a acontecer. Mal ele sabia que estava já a ser observado devido a esta vontade de questionar o que o rodeava... Mas quando ele percebeu que os vencedores da lotaria nada mais ganhavam do que uma viagem até à sala de operações para lhes serem retirados órgãos, e que os "sobreviventes" da contaminação não eram mais do que criaturas com origem num laboratório, achou que questionar já não era suficiente.

Tinha que avisar a sua amiga (apenas amiga, porque tudo o que fosse menos de meio metro entre indivíduos do sexo oposto era considerada proximidade excessiva que não poderia ficar impune) Jordan-2-Delta (Scarlett Johansson) que tinha sido premiada com uma viagem para a ilha e estava radiante com a sua sorte! No entanto, para a avisar, Lincoln teria que ir ao dormitório feminino! Já aí foi um grande escândalo e uma enorme quebra de regras, mas era apenas o começo.

A fuga começa, e, sempre perseguidos pelos guardas da zona, conseguem miraculosamente escapar-se, e perceber de uma vez por todas que têm vindo a ser enganado: a própria ilha não é mais do que um grande painel-holograma... o que está para fora do mundo deles é apenas um enorme deserto. Correm enquanto podem, e quando já estão suficientemente afastados do mundo-mentira deles e já bastante próximos do NOSSO mundo, conseguem obter respostas num bar manhoso, dadas por uma cara conhecida deles (um trabalhador do...hmmm...pronto, do sítio de onde eles vinham...o prédio subterrâneo, o que queiram chamar!)

Bom, foi nesta altura que me veio à cabeça que o filme era sobre clonagem, e tudo começou a fazer sentido na minha mente (eu sei que sou lenta:P). Mas pronto... Eles eram clones de ricaços e famosos do nosso mundo (eram os que podiam pagar o preço exorbitante que pediam), eram a apólice de saúde desses tais poderosíssimos. No entanto, os sponsors tinham sido enganados, pois pagaram pela possibilidade de ter filhos, órgãos, cura para as suas doenças, mas através de seres vegetativos, sem consciência e sem sentimentos. Ora, lógico que não era isso que na realidade acontecia. Com a sua boa fé, pureza e inocência, lá foram 6-echo e 2-delta no empreendimento atribuladíssimo que foi procurarem Tom Lincoln (um desenhador de sucesso, amante da velocidade e da vida boémia, com hepatite) e Sarah Jordan (actriz-modelo famosa, que tinha sofrido um acidente, e precisava urgentemente dos órgãos que reservara para si ao pedir que a clonassem), seus sponsors.

Não falharam a missão mesmo tendo em seu encalço um grupo de peso... E é nesta altura, quando já todas as respostas surgiram e já vários comentários "Ah, então são clones!" se fizeram ouvir, que o filme se começa a transformar num banal filme de acção. Efeitos engraçados, sim senhor, mas com escusadas voltas agoniantes de câmara, e tantas imagens a surgirem a cada momento, que, na minha opinião, acaba por fazer com que o mais atento espectador se disperse um pouco. Mas pronto, foi o caminho escolhido pelo realizador, é um caminho viável e possível. Nem tenho sugestão alternativa para o que podia ser o resto do filme, mas tenho para mim que desde que a história se "descodificou", pouco ficou para expectativa...

Também achei engraçada a enorme quantidade de publicidade durante o filme: estávamos sempre a ser bombardeados pela Puma, Ford, Nokia, Msn, e uma glamouroso e prolongado sketch publicitário à Calvin Klein...

Não posso deixar de referir o final, em que, depois de muitas peripécias, os nossos dois clones preferidos voltam ao seu mundinho para salvarem heroicamente os seus milhares de colegas clones... E conseguem! E o fim é uma grande mancha branca de pessoas a correram pelo deserto em busca da sua liberdade com uma música de puxar ao sentimento, num típico "final feliz".

Mas desta forma, terá sido um verdadeiro final feliz? Nenhuma daquelas pessoas (sim, porque apesar de clones, tinham consciência, sentimentos, memórias) estava preparada para se enquadrar na nossa sociedade, nem a sociedade estaria preparada para receber os seus adorados famosos a duplicar... Talvez criar um programa de adaptação a clones (como referiu a amiga sentada ao meu lado no cinema) ou... Bom, é difícil de encontrar um fim perfeito, o que nos leva a questionarmos a ética relacionada com esse grande tema da actualidade: a clonagem.

Será correcto sacrificar humanos/produtos (conforme queiram chamar, dependendo da vossa visão) em tudo semelhantes a nós (e mesmo iguais a uma pessoa existente) para salvar outros humanos (cuja única diferença é terem evoluído naturalmente e não pela mão da ciência)? Será correcto duplicar alguém para ter sempre um transplante seguro em qualquer situação? Sentir-se-iam bem a observar uma operação para retirar um órgão vital a um ser igual a vocês, apenas para vossa sobrevivência (e morte desse mesmo ser semelhante)?

Talvez torne o texto tendencioso a partir daqui, mas não consigo ser imparcial neste tema... Poderão alguns dizer: "clones nunca serão iguais a nós, e sim, podemos sacrificá-los em nosso benefício". Se considerarmos "Homem" com a definição que o dicionário apresenta, de: "ser dotado de inteligência, linguagem articulada, classificado entre os mamíferos da ordem dos primatas e caracterizado pelo seu cérebro volumoso, posição vertical e mãos preênseis", então qualquer clone a que demos vida e prendamos até precisarmos dele como dador de órgãos, deve ser considerado humano. No entanto, é sabido que a investigação da clonagem nunca teve este fim, mas sim o de clonar células estaminais para uma tentativa de cura de certas doenças. Mas Einstein não quis também mostrar ao mundo a sua teoria da relatividade para dar a pista da bomba atómica que viria a caír sobre Hiroshima, não será verdade?... Logo, temos que pensar nas mentes perversas por aí espalhadas, e temos a certeza que é inevitável o uso dos conhecimentos recentes da clonagem de humanos para fins pouco éticos...

John Kilner, presidente do "Centre for Bioethics and Human Dignity", nos Estados Unidos, afirma que: "(...)morte ou a mutilação do clone são os resultados mais prováveis da clonagem de mamíferos" e acrescenta "Submeter os seres humanos à clonagem não é assumir um risco desconhecido, é prejudicar as pessoas conscientemente". Bom, na verdade, ninguém pode garantir que a clonagem já tenha sido usada para a criação de um bebé-clone, apesar das declarações do cientista italiano Severino Antinori, que aclamou a gravidez de 3 mulheres com embrião clonado. Mas desde a altura destas declarações (em Abril de 2002) que nunca mais ninguém o viu, quer para confirmar ou desmentir.

Bom, a clonagem humana implica riscos elevados, mas para muitos poderá trazer grandes benefícios. Agora: contrabalançando prós e contras, valerá a pena o risco? Se já tivessemos a resposta a esta pergunta, tudo seria mais fácil, mas também é certo que é difícil arranjar uma, senão não teríamos tantos debates éticos sobre o mesmo tema!

De qualquer forma peço desculpa pela dissertação prolongada... E pensava eu que ia apenas falar no filme!!

Darko, *a gaja que até gostou do filme, mas duas vezes é capaz de ser demais (digo eu, sem certeza ou convicção)*

1 Comments:

Blogger ADEK said...

Ainda não vi o filme completo, mas já vi partes de que gostei bastante, e já vi e ouvi boas críticas... (Ethan Hawke, Uma Thurman...e deixaste de mencionar o belo, o único, o nosso "Alfie" Jude Law...:P o homem rula imenso... Por falar nisso, quando tiver paciencia, tenho que ver se comento aki o "Alfie", é brutal:P)***

10:15 da tarde, setembro 08, 2005  

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